Tem pão velho?
Tem pão velho?
08.01.2014
Arquimedes Estrázulas
Pires
O tempo que sobra para o não
fazer nada, mesmo que seja só de vez em quando, muitas vezes é uma chatice
total! Muitas vezes, entretanto, nos proporciona coisas extraordinárias!
Muito embora o “não fazer
nada” tenha tido pouco espaço nos meus dias, depois de um enfrentamento que
tivemos – um avião monomotor e eu – no ano de 1999, o que me rendeu nada menos
do que 25 cirurgias e 4 anos entre a cama de casa e a de hospitais, por aí,
agora que estou aposentado e a minha estrada chega ao quilômetro 70 tenho feito
muito menos do que antes fazia ou podia fazer. Me esforço ao extremos pra
espantar o nada, me ocupo de alguns escritos e de coisas que invento, mas sempre
acaba sobrando um tempinho para esse vazio que as pessoas chamam de...
ociosidade.
E foi num dia assim, de
poucos afazeres e muita vontade de, que eu tomava o meu modesto café da manhã,
com pão comprado há dois dias, na Padaria da esquina - e não quero que isto
seja interpretado como um comercial daquela excelente panificadora,
confeitaria, lanchonete e coisas mais – um pedaço do miolo do pão que eu cortei
pulou pra debaixo do pacote.
Gosto de miolo de pão!
Quando trabalhava no Maranhão, há coisa de 30, 35 anos, meu amigo Rubão da
Costa – pai do Rubinho e que já voltou pra casa há alguns anos - e eu, íamos
tomar o café da manhã, todos os dias, na padaria do bairro São Francisco, em
São Luís do Maranhão e, como ele só gostava da casca e eu só gostava do miolo,
abríamos o pão, ele comia a casca e eu comia o miolo. É assim que as coisas
funcionam na vida de quem vive com pouca grana. Promovendo a desunião entre as
cascas e os miolos é possível viver melhor. Talvez por isso os loucos sejam
mais felizes! Quem sabe?
Levantei o pacote sob o qual
o cobiçado pedaço de miolo de pão havia se abrigado e, ao fazê-lo, percebi que
havia um grande texto impresso na embalagem. Não pude ler, no momento, porque
usamos lâmpadas econômicas, em casa. Em casa de aposentado usa-se lâmpadas
econômicas!
Terminei o meu frugal
repasto matinal, tirei as coisas da mesa – essa é tarefa que me cabe todos os
dias em que há café da manhã, na minha casa – e fui para debaixo da bondosa
árvore que nos fornece sombra, graciosamente, todos os dias, e li o que estava
escrito no pacote.
“Tem pão velho”?
O texto narra a estória de
um menino que vai pedir pão a uma senhora que limpa o jardim de casa e com ela
desenvolve um diálogo assim:
- Tem pão velho, senhora?
- Serve pão novo? Pão velho
eu não tenho!
-
Eu peço pão velho porque sempre tem pão velho sobrando, nas casas!
- Quantos anos você tem,
menino?
- Eu? Dez.
- Tá na escola?
-
Não! Minha mãe não tem dinheiro pra comprar uniforme e material; nem calçado eu
tenho!
- E teu pai?
-
Sumiu de casa.
- Onde você mora, menino?
-
Pra lá do zoológico.
- É bem longe, né!
-
É! Mas eu tenho que pedir coisa pra comer; pra minha mãe e pra mim.
- Vou buscar pão novo, pra
você.
-
Precisa, não! A senhora já conversou comigo e isso é mais do que muito bom!
Ninguém conversa comigo, sabia?!
O texto está assinado por um
certo Antônio Maia. Eu não sei quem é
o Antônio Maia, mas sei que com esse
texto ele jogou qualquer coisa nos meus olhos. Eu nem tinha terminado de ler e
eles começaram a verter ardidas lágrimas de emoção; as lágrimas de emoção são
ardidas porque saem lá do fundo, né! Eu penso assim.
E então eu me lembrei
daquelas vezes em que, na Casa Espírita que frequento, a gente fala sobre
“caridade”. Essa coisa que as pessoas pensam que é o mesmo que esmola. Esmola é
outra coisa. Caridade é isso aí. Não necessariamente um pão, velho ou novo,
porque nem sempre o pão é mais importante do que um dedinho de prosa, mas esse
dedinho de prosa, sempre é importante! Mais especialmente ainda se ele vem com
um sorriso, se ele vem de braços abertos, com um aperto de mão, com carinho e
sem nenhum preconceito.
A padaria da esquina e o Antônio
Maia me deram a oportunidade de escrever este relato sobre o menino que
pedia pão velho porque sabe que o pão velho às vezes se perde nas latas de lixo
das casas onde não faz falta; mas faz falta nas casas onde às vezes nem latas
de lixo, tem. Porque nem tem o que jogar dentro.
E eu fico feliz com a
oportunidade, porque falar de esmola não é a mesma coisa que falar de caridade.
A esmola fere a alma de quem recebe e de
quem dá, explica o Evangelho Segundo o Espiritismo. A caridade, não. A
Caridade é irmã gêmea do amor ao próximo,
esse sentimento que nos ensina a fazer aos outros só aquelas coisas que nos
deixam felizes quando os outros as fazem a nós. É isso que Jesus Cristo
aconselha; não é?
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