Lições

Lições
03 de junho de 2015
Arquimedes Estrázulas Pires
 
Enquanto a vida escorrega pelas veredas do tempo as experiências se sucedem. Mas nem sempre estamos capacitados a extrair de todas elas a essência que de outro modo poderia nos tornar melhores, mais aptos e mais sábios. Viver é construir, diuturnamente, as estruturas de moral e ética, princípios e hábitos, conceitos e crenças, filosofias e costumes capazes de nos fazer efetivamente úteis à sociedade do tempo em que vivemos. Temos sido incompetentes, nesse afã, mas é imperativo não desanimar no intento e nem sentir medo dos obstáculos na estrada. Só conhece a glória quem chega a ela por enfrentamentos e méritos próprios.
Se a gente prestar atenção vai perceber que é de manhã que a brisa sopra com mais frescor e, quando a neblina se levanta pela ação do sol que aquece a terra é que a visão se expande e podemos olhar o horizonte e admirar os pássaros no céu azul. Nem sempre é visível um céu azul, pela manhã, mas ele está lá e apenas aguarda que se dissipe a bruma. É na meninice, portanto, fazendo um paralelo à metáfora criada, que estamos aptos a assimilar os primeiros rabiscos da estrada que aos poucos se desenha. Sabemos que é possível chegar e que há lugares, situações, conhecimento, aprendizado e tarefas à nossa espera, apesar de não se saber – de antemão – quaisquer detalhes sobre tudo e sobre quando estaremos lá.
É durante a viagem que a paisagem vai se abrindo; não há como ser diferente. São os exemplos da infância, percebidos no entorno de onde estamos, que nos capacitam a compreender o que veremos à beira da estrada quando chegar o amanhã, na viagem que fazemos. E então, mesmo que haja brumas e o céu nos pareça nublado, aqui e ali, teremos certeza de que ele é azul e que, perseverando, logo contemplaremos a imensidão sem nuvens e sem neblina.
Boas ou não, sementes são sementes e todas produzirão conforme a essência e a natureza que têm. Serão sempre feias, portanto, estrada e paisagem, se os exemplos da infância não forem dignos de arremedado. Alguém que cresça em ambiente moralmente deficiente, assistindo a descaminhos comportamentais e sendo condicionado na prática sempre equivocada do erro contumaz, a menos que seja exceção incontestável, possivelmente também produzirá exemplos maus.
Assim como a estrada na fase de construção pode ser modificada, recondicionada ou refeita, a personalidade humana também. Na infância pode sofrer influências positivas e pode ser modificada, pra que se torne digna, admirável e admirada. O homem é produto do meio, diz o filósofo, embora também seja capaz de modificá-lo. Mas não por outras vias que não as do exemplo que seja capaz de produzir.
Quem se encontre, por exemplo, em um velório, tende a se mostrar consternado e a ser solidário com os familiares do finado. A maioria das pessoas em um espetáculo de humor tende a rir e gargalhar. Mas nada é definitivo e imutável, exceto Deus. Tudo, portanto, pode ser mudado conforme necessidades e conveniências.
A família formada na decência, na consciência de valores indispensáveis, na cultura do caráter nobre e na sintonia de Deus, com raríssimas exceções entregará à sociedade, membros com princípios dissonantes em relação ao desejável em qualquer tempo. Porque, se “o uso do cachimbo deixa a boca torta”, como quer o adágio, não usá-lo pode significar uma boca sem deformações. Significa dizer que se a prática diária for sempre no sentido do bem, do bem pensado e do bem-feito, os aborrecimentos, o arrependimento e os pedidos de desculpa ou perdão podem ser desnecessários. O que, convenhamos, é sempre muito mais confortável, do ponto de vista mental e emocional.
Aristóteles, o filósofo, diz que “eu sou aquilo que pratico todos os dias”. Se os séculos passados desde que o disse atestam a sabedoria desta máxima, que outra razão pode haver pra me fazer praticar coisas que produzam sentimentos de arrependimento, em mim?
Os pais não são sempre pais. Já foram filhos muitas vezes, serão avós outras tantas e, certamente, ainda outras tantas voltarão a ser pais. Fica evidente, portanto, que - quando nesta posição - são totalmente responsáveis pelo caráter que permitirem seja moldado naqueles que desta vez estão seus filhos. “A cada um será dado conforme suas próprias obras”, diz o Messias através dos registros de João, o Evangelista. Quer dizer que os pais que se dedicarem a moldar um bom caráter nos seus filhos, serão poupados do arrependimento, da tristeza ou da necessidade de pedir perdão. A vida sempre nos devolve as coisas que lhe proporcionamos. Mas nunca sem antes trabalhá-las para que nos ensinem lições novas.
Quem nunca aprendeu não será capaz de ensinar; seja lá o que e a quem for. Quem não foi bem-educado, portanto, não está habilitado a bem educar. A instrução é fundamental, porque a ciência avança a passos largos e a tecnologia corre a velocidades nunca dantes imaginadas. “Na natureza, nada se cria e nada se perde; tudo se transforma”, diz o mestre Lavoisier. Mas na tecnologia, não. Na tecnologia tudo se transforma, e com tal rapidez, que imaginar o que será colocado à disposição de todos, nos próximos minutos, seria arriscado pretender.
O ser humano tem se deixado reconstruir a cada momento pelo comodismo das coisas que o mercado de consumo lhe proporciona, sem se perguntar onde está o limite do razoável, do indispensável e do necessário. Dando ainda uma olhadela para a tecnologia que viaja célere, vamos perceber que em pouco mais de cinco ou seis anos as pessoas se desabituaram da refeição em família, da conversa durante as refeições, da troca de ideias, dos conselhos de pais para filhos, dos pedidos de conselhos de filhos para os pais, do exame das notas escolares, do questionamento sobre as amizades dos filhos, sobre como estão as suas relações com Deus e coisas assim. O conselheiro e líder não é mais o pai e nem é mais a mãe, na maioria dos casos. Agora quem se adona da tarefa de monitorar - que antes cabia à família - é o smartphone, é o WhatsApp, são as redes sociais e outros recursos do gênero. Não é raro ver-se marido e mulher, lado a lado, nas horas de folga, teclando seu celular em lugar de conversarem e trocarem ideias, opiniões e planos para logo mais. Os filhos pararam de pedir colo, mamadeira e atenção, desde que os pais lhes presentearam com celulares inteligentes e os ensinaram a navegar na internet e assistir a vídeos nem sempre monitorados por quem tem responsabilidade sobre a construção de sua índole e de sua moral.
O descuido, a despreocupação e a incúria nunca foram bons conselheiros; menos ainda bons orientadores educacionais para crianças e adolescentes. O exemplo, sim!
Na minha juventude um grande chefe, patrão e amigo, ao receber um memorando que eu lhe houvera mandado, com desabafos impensados e opiniões que conflitavam com as dele, viajou durante nada menos do que três horas, de avião, para chegar até onde eu comandava uma obra tocada por 1200 homens da empresa que dirigia. E o fez apenas pra me fazer perceber que a vida é muito mais o que precisa ser, do que o que queremos que ela seja. Não estamos aqui por acaso; mas para aprender lições que nos façam melhores. Ao chegar, eu o aguardava no aeroporto. E nos dirigimos ao hotel onde costumeiramente ele e os demais membros da diretoria da empresa se hospedavam.
Na mesa do café da manhã, pra onde fomos sem perda de tempo porque havia muito o que ser feito naquele dia, Pêpê - era assim que o chamávamos - abriu sua pasta executiva e dela retirou o memorando que eu lhe mandara. Me entregou o documento, me olhou nos olhos, fixamente, e com palavras de um verdadeiro amigo, mais do que de um patrão, disse: Da próxima vez que sentir as coisas que te moveram a escrever esse memorando pra mim, não perca tempo; escreva! Mas não mande. Não, sem esperar três dias antes de ler novamente o que escreveu. Se ainda tiver certeza de que o que escreveu deve mesmo ser dito, então sim, pode mandar. A lição ficou gravada e a minha mente a revê, de vez em quando. Especialmente quando alguém precisa ouvir o que eu ouvi; pelas mesmas razões e da mesma maneira.
Pedro Paulo Villena é o nome desse grande homem a quem devo gratidão e extremo respeito. Lá se vão mais de 32 anos. Se ainda vive, segundo os conceitos que herdamos, sobre o que seja viver, não sei. Mas na minha lembrança os seus exemplos viverão para sempre.
Então, se sob a tua guarda ou responsabilidade há quem ainda não tenha desenvolvido todas as qualidades que caracterizam a vida de um indivíduo qualificável como uma pessoa boa e de bom caráter, há algumas coisas que você pode fazer pra que não se perca por aí: Eduque-o! Oriente-o, com doçura! Instrua-o! Modifique-o! Melhore-o! Aperfeiçoe-o! Faça-o sentir que é filho de Deus, criado à Sua imagem e semelhança. E se somos imagem e semelhança de Deus, não podemos andar por aí fazendo coisas que Ele certamente não faria, não é mesmo?
Paz e Luz.








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