Do subsolo à cobertura
01.03.11
Arquimedes Estrázulas Pires
Certo dia, ainda na longínqua década dos anos de 1970, logo após a inauguração da linha norte/sul do metrô de São Paulo, na porta de acesso à Estação Conceição e ao lado da escada rolante, alguém colou um papel em que se lia:
“Os ratos que um dia viverão aí dentro sempre poderão morrer por conta do que lhes será oferecido de graça”.
Cerca de quarenta anos depois, essa frase me retorna à mente e ao puxá-la das gavetas da velha memória, percebo que trago junto alguns aspectos existenciais aprendidos nas lições da vida, que desejo compartilhar.
O primeiro aspecto diz respeito às reações e ao comportamento que manifestamos no trato com as pessoas que dividem espaço e tempo conosco. Pessoas muito boas, pessoas boas, pessoas mais ou menos boas, pessoas muito más, pessoas más, pessoas mais ou menos más e... pessoas ainda primitivamente más; como na média está composta a espécie humana. Não em razão de natureza, mas de circunstâncias relativas ao nível evolutivo de cada um.
Nesse aspecto podemos comparar a existência como sendo um arranha-céu, de inúmeros andares, aos quais vamos tendo acesso à medida que ganhamos desenvoltura, conhecimento e sabedoria. Em outras palavras: à medida que evoluímos.
Todos caminhamos para a angelitude e será pela experiência, pelo conhecimento acumulado e pela sabedoria adquirida no galgar dos milênios, que chegaremos lá. E, sempre por merecimento; nunca... por privilégio! Deus não trabalha com privilégios. “Plantar é facultativo; colher é obrigatório”. Sempre é bom lembrar dessa fala! [Gal: 6, 7]
Podemos imaginar a marcha evolutiva do Espírito humano acontecendo – simbolicamente - nesse arranha-céu, da seguinte maneira: cada andar, a partir do subsolo, que aqui representa o período anterior ao recebimento do livre-arbítrio, funciona – no nosso simbolismo - como um estágio da evolução; funciona como uma das infindáveis reencarnações que terá, enquanto viaja rumo à condição de Espírito Puro ou Perfeito, aonde chegará apenas e tão somente quando houver experienciado todas as coisas, em todas as circunstâncias e em todos os estágios a que está sujeito enquanto Ser Criado.
Assim, podemos imaginar a coisa acontecendo mais ou menos deste jeito:
1º - Subsolo > O Espírito recebe o livre-arbítrio e a partir daí passa a ser o único responsável por todas as ocorrências de sua viagem pelo tempo, eternidade afora. É quando toma consciência de sua condição de “Filho de Deus”, criado à Sua imagem e semelhança [Gen. 1: 26]. Passa a ser movido pelo sentimento e não mais exclusivamente pelo instinto, como até então.
É um Espírito “simples e ignorante” [L.E. 115] e começa então sua infinita busca de conhecimento, experiências e sabedoria. Nesse estágio podemos imaginá-lo bastante sujo de ignorância, simbolismo que utilizamos aqui como significado do desconhecimento de todas as coisas.
2º - Andar Térreo > Começam as dificuldades, as dores, os sofrimentos, a desesperança, os gemidos, as incertezas e o ranger de dentes. Começam as alegrias, as satisfações, os prazeres, as descobertas dos novos sentimentos e tudo o que pode daí decorrer. Consequências da rusticidade, do pouco ou nenhum entendimento que tem acerca da ignorância em relação às Leis de Deus, da animalidade que ainda ostenta e da maldade que, em razão disso, pratica aos borbotões. Mas também, daquele silencioso e quase secreto sentimento de que no seu “eu” pulsa aquela centelha Divina que o torna diferente de outros seres e coisas da Criação.
Das causas de todas essas coisas e dos efeitos até aqui ainda inconscientes de cada uma delas, ganha o direito de subir um pouco mais no seu arranha-céu. É a lavagem da ignorância através dos efeitos que as experiências vivenciadas vão proporcionando ao Espírito. Um pouco mais limpo, já pode subir para o andar imediatamente superior.
3º - Primeiro Andar > Um pouco mais maleável e sensível ao entendimento de todas as coisas, começa a utilizar seu livre-arbítrio de maneira a errar menos a cada nova decisão. Começa a agir mais pelo sentimento e menos pelos restos de instinto puro que o caracterizavam até que deixou os porões do arranha-céu. Ainda erra muito e, portanto, ainda apresenta sujeira densa e aspecto pesado, em sua estrutura perispiritual. Mas já evoluiu um pouco mais e as coisas começam a melhorar nessa estrada infinda. Ao concluir suas “tarefas” nesse pavimento, está habilitado a subir um pouco mais.
4º - Segundo Andar > Mais conhecedor, mais experiente, menos denso, proporcionalmente mais cheio de sabedoria e mais confiante no porvir, arrisca-se a novas empreitadas em busca de lições que o tornem mais conhecedor, mais sábio e mais “limpo” de ignorância. Segue sua jornada de ascensão e, de sofrimento em sofrimento, de obstáculo em obstáculo, de experiência em experiência, de conquista em conquista, de conhecimento em conhecimento, torna-se mais sábio e mais merecedor do direito de subir um pouco mais. Lá no topo, que até então não sabe onde e a que altura está, mora o seu objetivo maior: a Perfeição.
Interessante notar que em cada andar, mesmo em altitudes maiores, é possível perceber a existência de pessoas – espíritos encarnados – carregando deformidades físicas, aleijões, dores, tristezas, problemas familiares, crises existenciais, fome, miséria, etc. São missões providenciais, pelas quais ensinam caminhos novos aos que estão subindo ou, são tarefas que não puderam ser feitas nos andares precedentes, mas que, por sua natureza, nada impede que sejam realizadas nos andares mais acima. Deus sempre Dá oportunidades novas a quem tem boa-vontade!
5º - Terceiro Andar > Novas experiências, novos créditos, mais força, mais conhecimento, menos ignorância, mais leveza, mais pureza, mais alegria, mais saúde, mais sentimento bom, mais Luz... mais sabedoria! A subida continua, indefinidamente e a cada novo lance da escada que sobe, mais direito adquire pra continuar subindo. Deus está lá, no Alto, onde recebe – de coração e braços abertos - cada uma de suas “Centelhas” que vencem a escalada, fortalecendo-se a cada novo passo, até aí onde recebe, finalmente, o status de Anjo ou Ser Ascensionado.
Pra isso não há tempo pré-definido e nem caminho pré-determinado. São o livre-arbítrio, a intuição que o seu Anjo Guardião e outros Bons Espíritos lhe passam, diuturnamente, andar por andar do seu arranha-céu, a vontade, a determinação, o Amor que despender pelo seu semelhante e a Caridade que se dispuser a praticar enquanto percorre a eternidade na garupa do tempo, que lhe concederão as credenciais de acesso. Cada um escolhe o caminho e a duração da viagem. Quem se perde em devaneios demora mais pra compreender as leis do Amor de Deus e os ensinamentos do Cristo; quem pratica o mal, inclusive contra si mesmo, demora mais pra encontrar o rumo certo e pra alcançar o objetivo final. Quem age de outro modo, com brandura, docilidade, resignação, compreensão, boa-vontade e Amor - a Deus e ao Próximo – e Caridade, encurta distâncias e abrevia o tempo da jornada.
Note-se, também, que durante os estágios que cumpre em cada andar do arranha-céu o Espírito convive, divide espaços, compartilha conhecimentos, experiências, paixões, virtudes, mesquinhez, pequenez, má conduta, amor, caridade, benevolência e toda sorte de sentimentos, com outros espíritos, mais, ou menos evoluídos, também em marcha de exercício, busca e crescimento. E enquanto alguns sobem para os andares superiores, muitos permanecem por longo tempo em níveis mais baixos, até que despertam - pelo amor, pelo perdão e pelo arrependimento - e assim credenciados, também podem subir.
É da convivência com semelhantes que vamos aprendendo a melhor maneira de crescer, conhecer e aprender. Porque só o conhecer não garante o saber. Conheço, por exemplo, a Lua, porque a vejo quase todas as noites, no céu, mas pouco ou nada sei sobre ela; preciso aprender!
Algum dia todos estaremos nos píncaros e poderemos, por missão recebida, ou vontade própria, voltar aos pavimentos inferiores e ajudar aos que ainda estão por ali, muitas vezes inconscientes, muitas vezes perdidos, necessitados e ávidos de socorro, consolo e ânimo novo. Quanto mais o Espírito se dedica à ajuda em suas mais diversas formas, ao conforto moral, à caridade, à partilha de conhecimentos, aos bons exemplos e à orientação de semelhantes que ainda não sabem andar sozinhos e em segurança, mais rapidamente se verá credenciado a conhecer andares mais elevados do arranha-céu que aqui simboliza sua viagem de evolução.
É como nos limpamos da ignorância e nos tornamos aptos a níveis sempre mais elevados da existência. É bom lembrar que Espíritos de Alta Linhagem não voltam à vida física em condição de prova e nem têm necessidade de voltar. Só o fazem em casos especialíssimos, de missões indispensáveis, como a que nos trouxe o Espírito que aqui recebeu o nome de Jesus, ao nascer em Nazaré.
O segundo aspecto, tem a ver com o “orai e vigiai” [Mt: 26;41], de que nos fala Jesus, o Mestre maior. Tem a ver com a frase do bilhete pregado no acesso ao metrô, em São Paulo: “Os ratos que um dia viverão aí dentro sempre poderão morrer por conta do que lhes será oferecido de graça”.
Aparentemente sem significado, alertas dessa natureza e conteúdo recomendam atenção indispensável a oportunidades, pessoas, coisas, situações, ofertas, bondades e manifestações de sentimentos os mais diversos que nos rodeiam enquanto caminhamos pela vida. Assim como nem toda a bondade é verdadeira, nem todas as vantagens aparentes, que nos oferecem são, efetivamente, vantajosas. Lembra da “laranja madura”, na música de Ataulfo Alves? “Está bichada, Zé; ou tem marimbondo no pé”!
Evidências da necessidade de vigilância constante e constante espírito de oração.
Orar, em verdade, não significa viver de joelhos no chão, mãos postas, olhos lacrimejantes e olhar falsamente inocente, contrito e também aparentemente, respeitoso. Muita gente faz isso todos os dias e nem por isso pode-se dizer que esteja vigilante ou em oração.
Orar significa, em grande estilo e verdade, conduzir-se pela vida de maneira positivamente exemplar, de modo que ao passarmos - pela rua ou quaisquer outros lugares - sempre haja quem possa se espelhar em nossa maneira de andar e, corrigindo desajeitos e trejeitos, erigir a postura moral, firmar o passo e retomar o caminho da Luz; o caminho por onde chegaremos aos andares mais elevados do nosso arranha-céu.
Ao se manter vigilante e em estado de oração, o Espírito certamente estará a salvo das “milagreiras” bondades que tanto seduzem a juventude e outras porções sociais. Estará “protegido” contra os ataques dos “amigos da onça”, esses que sempre induzem os incautos às práticas não recomendáveis de existir. Seja incitando às práticas ilícitas de toda ordem, seja elogiando e enaltecendo qualidades com objetivos nem sempre dignos de arremedo.
Mas não é só esse, o perigo corrente! Os meios de comunicação de massa - do rádio à internet – e as artes, passando dos “ingênuos” desenhos animados às mais altas expressões artísticas – música, cinema e literatura dentro – a criação humana está recheada de situações contaminadas pela “turma do fundão”, como usualmente me refiro aos habitantes dos níveis mais baixos e tenebrosos da espiritualidade inferior. Esse pessoal, conhecedor do fato de que seus dias estão contados e que a partir da “separação do joio e do trigo” terão que desocupar a moita e recomeçar em outras das “muitas moradas da Casa de Meu Pai” [João 14: 1-3], inconformados, buscam todas as maneiras de influenciar a humanidade às práticas que usualmente adotam, pra que – no seu entendimento - a viagem ao desterro seja o menos solitária possível.
A outra recomendação do Cristo, “Dai de graça o que de graça recebestes” [Mt. 10:8], também não serve para quando a dádiva vem endereçada desde as profundezas do astral inferior.
Diz um novo ditado que anda por aí, de boca em boca, que “as ratoeiras sempre oferecem queijo de graça”. Pode ter sido isso, inclusive, o significado motivador daquela frase pregada na parede do metrô da Estação Conceição.
Vamos refletir um pouco sobre isso: “as ratoeiras sempre oferecem queijo de graça”.
A primeira vez na maconha, na pasta-base, na cocaína ou no craque; o primeiro comprimido de Ecstasy, a primeira fumada de ópio ou haxixe, o uso aparentemente ingênuo do Narguilé e outros vícios, álcool junto, normalmente vêm de graça e com festa para os “amigos” novos a quem a “sereia” de pronto encanta com seu canto.
A sequência, entretanto, é dolorosa, cruel, destruidora, radical e, não raro, fatal. Sem considerar as consequências terríveis que tais motivadores emocionais causam aos corpos espirituais e aos “créditos” cármicos, aqui entendidos como os resultados da Lei de Causa e Efeito, sempre implacável. Não há como danificar a vida – própria ou de terceiros - e achar que pode se esconder de Deus!
Deus não pune ninguém, sabemos disso, mas também sabemos que, porque Ele é Justo, na existência do Espírito nada passará impune “até que o último ceitil seja cobrado” [Mt 5, 25-26]. Conhecedor da Verdade e por ela libertado [João: 8; 32], nenhum Espírito sossegará até que tenha reparado todas as suas faltas e corrigido cada efeito negativo que sua incúria tenha resultado em qualquer tempo; contra ele próprio ou contra outrem. Simples questão de honestidade!
É preciso alertar, também, sobre perigos que não vêm nem das drogas, nem das bebidas alcoólicas, nem da televisão, nem do cinema, nem das artes “manipuladas”, nem das “coisas do mundo”, como à vida se referem alguns líderes de algumas correntes religiosas, mas dessas próprias correntes religiosas. O que é sempre lamentável.
A miséria, o desespero, as dificuldades, as doenças, os tropeços existenciais de toda sorte, as dúvidas, os embaraços e as situações difíceis, sejam elas quais forem, NÃO são e nem JAMAIS serão razão bastante e suficiente para que o Espírito Humano precise se deixar escravizar pela ganância de quem ainda não compreendeu que “não se deve ajuntar tesouros onde a traça devora, a ferrugem destrói e os ladrões roubam” [Mt. 6: 19-20] . Especialmente quando essa ambição má exala da boca e do coração de quem tem obrigação de zelar pela observância do Evangelho, se a essa faina se dispôs. Com a palavra os “mercadores da Fé”, de que falam alguns teólogos e literatos e sobre os quais já tivermos oportunidade de escrever e publicar no blog Universo e Luz [http://universoeluz.blogspot.com].
“Não explore o pobre porque ele não pode se defender! Não seja injusto ao tratar dos problemas de uma pessoa humilde”. [Provérbios 22: 22]
Quem são aqueles que, por humildade, ignorância e boa-fé se deixam levar pela lábia de tais líderes? E quem são tais líderes? Deus sabe.
E Sabe também que perseverando na prática do bem, do amor ao próximo e da caridade, podemos não só melhorar nosso desempenho no papel de evoluir, encarnação após encarnação, como também o trabalho é facilitado com a suavização dos efeitos da Lei sobre as nossas falhas e as nossas irresponsabilidades. Não que sejamos liberados do necessário reparo para danos causados, mas porque praticando o bem somos creditados dos seus resultados. O saldo final, a pagar ou a receber, fica mais próximo do equilíbrio ou poderá até mesmo ser zerado ou apontar a nosso favor. A isto Allan Kardec chama de “queimar o Carma”.
O terceiro aspecto tem a ver com “por que Deus não me Dá as coisas que Lhe peço”?
Porque, estando em processo de evolução, quer dizer, estando em processo de aprendizado e aquisição de conhecimento, experiências, exercícios e busca de sabedoria e verdade, não é exatamente na hora que “achamos” que devemos receber tal bênção, que estamos prontos para tanto. Eu quero agora, posso entender. Mas Deus não vê da mesma forma e o Seu tempo flui diferentemente do nosso e do nosso entendimento. É apropriado dar um automóvel como presente de aniversário a um filho de apenas 8 anos de idade, em celebração à sua aprovação para o segundo ano do ensino fundamental? É mais ou menos assim que Deus pensa sobre, e avalia os nossos desejos e os nossos pedidos.
Alunos, precisamos nos comportar como tais; mas não como quaisquer alunos! Precisamos nos comportar como os “melhores” alunos! É isso o que a existência espera de todos nós. Nada mais do que isso!
E o quarto aspecto é o que justifica a evolução do Espírito através da Generosidade de Deus, manifesta pelo processo das Reencarnações sucessivas.
Para aquelas pessoas que não veem provas do processo reencarnatório, nos Evangelhos do Cristo, recomendamos que voltem um pouco no tempo e busquem no Velho Testamento, no livro de Jeremias, Capítulo 1, versículo 5 uma das mais claras provas neste sentido: “Antes que eu te formasse no ventre te conheci, e antes que saísses da madre te santifiquei; às nações te dei por profeta”.
Além das inúmeras citações feitas por Jesus, o Mensageiro do Cristo, sobre a reencarnação, não só em relação a João Batista ser “o Elias que devia vir”, mas também na conversa com Nicodemos, em que declara a mais absoluta necessidade de “renascer da água e do espírito, pra ver o Reino dos Céus” ou, quando Diz que “o que nasce do espírito é espírito e o que nasce da carne é carne”, demonstrando que o Espírito precede o corpo físico e nada tem a ver com a hereditariedade, essa passagem do Profeta Jeremias prova, incontestavelmente, que é de muito longe no tempo, que o Espírito vem ao Plano Físico sabendo que é através do serviço que lhe presta tal veículo, que executará tarefas preestabelecidas, aprenderá lições, cumprirá missões, desenvolverá experiências, exercitará a inteligência, conhecerá a verdade e, com ela, se libertará; entendido isto, entendido está como vamos do subsolo à cobertura do “arranha-céu” e tomamos posse da condição angelical, que é objetivo final do Espírito Criado.
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Comentários
Sei que estou no ínicio de minha jornada, mas lendo esta explicação clara e rica, sinto que ganhei conhecimento para melhor usar o meu livre arbítrio e assim, quem sabe, chegar ao próximo andar, com a graça de Deus.
OBRIGADA PRIMO QUERIDO!!!
Beijos,
Neyra.
PS.: Tomara que essas escadas tenham corrimãos... kkkk...